domingo, 29 de novembro de 2009

Carta a um pedinte

Outro dia fui abordado por um homem, negro, aparentando cerca de trinta anos, mal vestido e sujo, portando uma caixa de madeira. Me pareceu uma mistura de mendigo com engraxate. Eu esperava o ônibus em uma avenida bastante movimentada, de mochila, bermuda e sandália. Havia outras pessoas no local, mais bem vestidas, com cara mais amigável. Mas aquele homem não abordou nenhuma destas pessoas, ele veio até mim.

Fico pensando que talvez fosse um anjo, se eu acreditasse em anjos. Mesmo que não tenha sido um enviado divino, devo reconhecer que era o próprio Cristo, afinal o evangelho registra as palavras Dele quando diz que o que fizermos ao menor de seus irmãos, estaremos fazendo ao próprio Cristo (Mt 25:40).

O homem, ou anjo, o próprio Cristo, veio falar comigo, e me suplicou DEZ CENTAVOS, porque queria COMPLETAR UM REAL pra comprar um copo de salada de frutas. Ele dizia que a fome dói, e ensaiava um choro forçado. É claro que eu tinha dez centavos, e na verdade eu devia ter cerca de oitenta, noventa reais na carteira (o que não é muito comum). Eu poderia ter dado aquele homem uma nota de dez, uma de cinquenta, ou até mesmo tudo que eu tinha, que provavelmente não me faria tanta falta.

No entanto, sem titubear eu acenei com a cabeça, e disse a ele que arranjaria o dinheiro sim, então puxei a carteira e meti meus dedos na parte das moedas, e puxei de lá todas as moedas que tinha: uma de vinte e cinco e outra de dez centavos. TRINTA E CINCO CENTAVOS, e entreguei para ele. O homem ficou muito feliz, e provavelmente achou até que havia recebido muito, e que eu era um jovem generoso.

No mesmo momento em que ele disse “Deus abençoe” e virou de costas, pensei que poderia ter dado a ele pelo menos uma nota de dois reais. Mas permaneci estático, esperando o ônibus. O ônibus, porra, o ônibus, eu precisava sair dali o quanto antes. Logo depois o homem passou de volta, com seu copo de salada de frutas na mão. Sorrindo, olhou pra mim e agradeceu mais uma vez. Acenei com a cabeça, derrotado, corrompido.

Sei que talvez você nem saiba ler, irmão. É provável que seu lar seja um papelão em uma calçada do centro da cidade, e que você morra sem nunca ter tocado em um computador. Mas te escrevo esse pedido de desculpas, porque eu preciso exorcizar essa culpa de dentro de mim. Essa carta não é só para você, é para mim, é para todos, é para Deus.

Me perdoa, porque tiveste fome e não te alimentei, tiveste sede e não te dei de beber, estavas nu e eu não te vesti, eras estrangeiro e não te hospedei, estavas doente e não te visitei, estavas na prisão e não fui te ver. Preguei a tua palavra, Senhor, me fiz de doutor da lei, aparentei te conhecer, mas tudo isso foi levado pelo vento, e tudo secou como a erva do campo, porque me deixei contaminar e me conformei à maldade do mundo.

Esses trinta e cinco centavos talvez tenham saciado a tua fome naquele momento, mas em mim fizeram exatamente o inverso: me fizeram sentir um fome insaciável de Deus, porque percebi que tenho andado distante do seu amor, imerso na minha autosuficiência.

2 comentários:

Kadu disse...

Também assumo culpa como essa..., já agi assim, não só uma vez...
Meus últimos pensamentos tem girado em torno do equilíbrio. Principalmente do equilíbrio em torno de nossa fé: teoria e prática. Muitas vezes sou muito teórico mas nada de prática..., outras sou ativista, prático, mas sem base nenhuma...
Equilíbrio é uma palavra que vai sempre me perseguir.
Abraço!

Luis Felipe Mayorga disse...

Esse é um ótimo texto, espero que se espalhe pela internet.

Postar um comentário