sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sobre Deus

Os seres humanos especulam a respeito de Deus há alguns milhares de anos. Eu, por ser também um humano, não me furtarei a fazer a mesma coisa. Entretanto, distante do dogmatismo típico de alguns setores religiosos, quero deixar claro que minha posição não passa de especulação, dessas assim feitas na mesa do bar, no ônibus ou sentado no vaso sanitário. Este pensamento me ocorreu enquanto navegava pela internet. A parte que fala sobre Kafka me ocorreu um pouco antes, durante uma palestra sobre o mesmo escritor, proferida pelo filósofo Benedito Nunes.

Me lembro bem que há algumas horas atrás eu frequentava um fórum de discussão virtual, no qual o assunto era a homossexualidade dentro da igreja cristã. Ou melhor, a aceitação da homossexualidade pela igreja cristã. Em outro fórum outras pessoas discutiam a respeito de interpretações do texto bíblico. Aparentemente, todos os usuários da internet possuem convicções autênticas diretamente reveladas por Deus. Alguns até fazem dEle as suas palavras, dizendo: “Deus não se agrada disso, Deus não se agrada daquilo”. Tais pessoas têm muita sorte por Deus não processá-las por uso indevido de imagem, difamação, ou simplesmente mandar chuva lá de cima até que todo mundo morra afogado.

Minha especulação sobre Deus não tem pretensões tão altas. Aparentemente não faço a menor ideia do que se passa pela cabeça dEle. E talvez não faça sequer ideia do que se passa pela minha própria cabeça.

Prossigamos.

Minha especulação diz respeito ao modo como Deus se relaciona com os seres humanos. Se a bíblia estiver certa, sabemos que Ele trava esse relacionamento através do Espírito Santo. O que não significa que sabemos de alguma coisa. Outros, mais ortodoxos e amantes da palavra escrita, confiarão à bíblia a tarefa de orientar os seres humanos, conjuntamente com o Espírito. Eu eliminaria a bíblia desta história, ou melhor, não a eliminaria, mas reduziria o seu papel, que me parece estar supervalorizado. A bíblia, sem o Espírito, não serve para muita coisa. São só palavras, e os livros não transformam ninguém.

Então temos o Espírito, além de uma primeira orientação do seu trabalho: se Ele atua através da bíblia, então o Espírito age em uma perspectiva intelectual. Não creio ser essa uma conclusão satisfatória. As operações intelectuais não transformam de todo as pessoas, é preciso de algo mais. De boas intenções o inferno está cheio. Existem muitos que compreendem a mensagem do amor, mas que não a colocam em prática. O Espírito precisa de uma segunda orientação para seu trabalho: a perspectiva da ação. O conhecimento intelectual e o conhecimento prático do evangelho são duas camadas que se sobrepõe mutuamente, se interpenetram.

Entretanto, o prisma intelectual é um engano. Muitos são os meios pelos quais os seres humanos “aprendem” a serem “bons”. Os instrumentos morais que a sociedade inventa, as leis, as instituições, tudo isso é prova de que o lado intelectual da coisa não funciona. É pura dissimulação. O homem impregnado de uma retórica que o protege da verdadeira finalidade: a prática. A receita do bolo sem que ninguém tenha a disposição para fazê-lo.

Definitivamente, minha especulação não compactua com a ideia de que Deus se relacione com os seres humanos através da intelectualidade. Intelectualidade no sentido de apreensão cultural, de utilização da linguagem. Exterminem os programas de teleproselitistas, mas Deus continuará agindo em nosso meio. Cortem as línguas de todos os cristãos, mas Deus continuará agindo em nosso meio. Queimem todas as bíblias, todos os livros que falem sobre o amor e coisas boas, e Ele continuará dando as caras.

Minha especulação, caro leitor, supõe que Deus não se relacione com os seres humanos através de linguagem. Não podemos compreendê-lo e apreendê-lo intelectualmente, racionalizá-lo, esquematizá-lo, nem em um ciência positivista e tampouco em uma ciência relativista e pós-moderna. Não existe ciência de Deus, no sentido de conhecimento sobre. Toda teologia é sobre homens, e não sobre deuses.

Não quero limitá-lo a acreditar que Deus é incapaz de relacionar-se conosco através de nosso intelecto. Até porque tudo em nós é intelecto. O que quero dizer é que este relacionamento é de outra ordem. Que chamem de absurdo, de inexprimível, indizível, mas palavra alguma poderá revelar Deus aos humanos. Nem palavras, nem qualquer outro tipo de linguagem. Ele é radicalmente distinto. Ele é Espírito, e como tal, age em nosso espírito, fomentando mudanças práticas e atitudes (como se pode constatar nas histórias dos evangelhos) e não mudanças intelectuais. Não é o crer, mas o fazer crendo.

Não sei até que ponto a crença é importante para o relacionamento com Deus, isso tudo permanece obscuro e faz doer meu cérebro ao tentar compreender. Como eu disse, minha especulação é justamente a da incompreensão do relacionamento com o divino.

Mas lembre-se: é apenas uma especulação.



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Existe um conto de Franz Kafka que é bastante conhecido, chamado Metamorfose, que já faz parte do cânone da literatura mundial. Nele, Gregor Samsa acorda metamorfoseado em um inseto, sem qualquer explicação aparente. Sua família, é claro, sente-se extremamente surpreendida com o fato. No desenrolar dos acontecimentos, Gregor Samsa vai gradativamente perdendo todos os laços afetivos com a família, até que esta não reconheça no inseto o filho que havia antes. Gregor acaba morto, varrido por uma empregada.

Há ainda outro conto de Kafka, um pouco menos famoso que o anterior, chamado Relatório para uma academia, no qual um macaco conta sua história desde o momento em que foi capturado na floresta até o momento em que escreve o tal relatório, contando todo o processo gradativo no qual se ajusta à sociedade humana, adquirindo diversos conhecimentos que o fazem um exemplar raro, híbrido entre animal selvagem e humano culto.

Em Metamorfose o que está sublinhado, pelo menos para mim, é o processo de desumanização de Gregor Samsa, até o momento em que ali já não existe um membro da família, mas somente um inseto. O tempo todo, porém, Gregor está consciente de sua situação de inseto. Seu intelecto ainda é humano. Para a família, porém, aos poucos Gregor perde a capacidade de se comunicar: sua voz transforma-se apenas em zumbidos animalescos, seus gestos corporais são apenas movimentos de inseto. Não há ponte que possa fazer a ligação entre ele e os demais seres humanos. Não existe linguagem capaz de fazer esta ponte.

Em Relatório para uma academia o que está sublinhado (repito: pelo menos para mim), é o processo de humanização do macaco. Sua lenta e gradual aquisição da linguagem humana, em uma luta travada tanto pelo macaco quanto pelos humanos que lhe serviram de mestres. Aquisição da linguagem verbal, gestual, escrita, comportamental. O macaco aprende a se comportar tal qual um humano, sem ignorar sua natureza de macaco. O que o faz dar este salto qualitativo, de macaco a humano, é a necessidade de uma saída. Uma saída que o desobrigasse das prisões destinadas aos animais, e o permitisse as “liberdades” destinadas aos homens. Este salto qualitativo, é claro, é o domínio da linguagem. A linguagem serve de ponte para que o macaco se humanize e se relacione com seus “semelhantes” a partir de então.

A linguagem não está no homem, mas o homem é que está na linguagem. A linguagem o domina, o utiliza. Gregor está inviabilizado para tal uso. Portanto, aos poucos deixa de ser reconhecido como humano, até que finalmente sua família o tem por completamente desumanizado. Apenas um inseto inconveniente e asqueroso. Já o macaco, através de um esforço enorme, salta da linguagem de primata para a complexa linguagem dos humanos.

Partindo disso, quero voltar para minha especulação a respeito de Deus.

A linguagem – principalmente nossas linguagens idiomáticas, que permitem a racionalização do conhecimento – é responsável pela quebra do relacionamento entre Deus e os homens. O momento em que tentamos compreendê-Lo é o mesmo momento em que Ele nos escapa. Quando tentamos transubstanciá-lo em versículos, liturgias ou preleções estamos apenas criando cultura. Estamos humanizando algo que é da ordem do divino, intelectualizando algo que é da ordem do espírito. Criando somente códigos simbólicos que não possuem valor algum, além do valor cultural/intelectual.

Uma vida cristã autêntica, segundo minha especulação, deve percorrer o caminho inverso daquele ensinado pela igreja, pela escola, pelas instituições. Não se parte de um conhecimento socialmente construído para uma vivência pautada nesse conhecimento. Não se aprende o bem para praticá-lo. Não. A vida cristã é de uma direção inversa. Deveremos ignorar, sempre que necessário, todo o conhecimento culturalmente adquirido, e partir para uma vivência pautada no relacionamento direto com Deus, sem mediações, através da própria imanência do Espírito em nós. Nossas ações guiadas através de Deus, tudo na ordem do indizível, inexprimível absurdo. Partindo desta vivência de mundo, iluminada pela divindade, é que construiríamos um repertório intelectual.

Em suma, não agir segundo a moral dura, repressiva e burra ensinada pela sociedade. Essa moral que é criada apenas para manter o funcionamento de todo um sistema de valores econômicos, políticos, religiosos, culturais etc. Não devemos agir segundo essa moral, que nos é imposta da sociedade e internalizada. Deveremos, sim, agir conforme a ética que surgirá do relacionamento entre os seres humanos. Ética que deve nascer do amor. Já não se trata de tratar o mendigo, o empresário ou o sacerdote conforme a moral, a etiqueta, o código cultural ensina. Mas sim de agir individualmente, conforme a ética criada na relação entre os indivíduos, pautando-se no amor para construir relações verdadeiras e afirmativas da potência da vida.



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É claro que esta é uma situação idealizada. Para que ela acontecesse, seria necessário que já nascêssemos conscientes de nosso relacionamento com Deus. O que não deixa de ser uma hipótese interessante: será que já não é inerente a todo ser humano tal relacionamento? Não com o Deus quadrado e restrito do cristianismo, mas com a noção geral de Deus, de força cósmica, de prática do bem e do amor.

O que também me agrada nesta especulação é a aniquilação do relacionamento com Deus mediado pelo conhecimento. Nunca simpatizei com um Deus erudito. Se o relacionamento não é racionalmente compreensível, então não se torna restrito para as pessoas com deficiências cognitivas e intelectuais. Quem disse que os autistas não se relacionam com Deus e vice-versa? Bem, sabemos que quem disse isso foi a própria Igreja...

Afinal, prosseguindo com o exemplo do autista, tal indivíduo pode não possuir a capacidade intelectual de compreender os dados do evangelho racionalmente. Ele não poderá pronunciar as palavras mágicas, não confessará Jesus como único senhor e salvador de sua vida. Está excluído, portanto, do povo remido pelo sangue, num fantástico golpe de marketing da teologia cristã em geral, centralizando o amor de Deus nas mãos dos detentores do código cultural. Mas pergunte a mãe de um autista do mais alto grau se ele é capaz de amar, e vejamos o que ela responderia. O amor não conhece as fronteiras da linguagem ou do intelecto, afinal ele é afirmação da vida, e a vida é imanente a todos os seres humanos (mesmo aqueles de comportamento condicionado pela moral social vigente, como eu). O relacionamento com Deus ultrapassa a necessidade da crença, da confissão da fé cristã. Entretanto, talvez não ultrapasse a necessidade da atitude, da prática cristã.

O problema todo começa quando passamos ao relacionamento propriamente dito. Sem receita de bolo nós, seres humanos, nos sentimos desamparados. A imanência direta de Deus nas nossas ações, a chamada prática do amor (seja ele cristão ou ateísta), requer um outro tipo de salto qualitativo, diferente daquele dado pelo macaco em direção à linguagem. É o salto em direção ao absurdo de Kierkegaard. O passo em direção a atitudes autênticas, não programadas racionalmente, atitudes de afirmação da vida (principalmente afirmação da vida do outro).

Viver este relacionamento é a parte mais fácil e mais difícil. Fácil porque, como eu e minhas especulações malucas diríamos, é bem razoável que a relação com Deus seja inerente ao ser humano. Essa capacidade de amar que todo mundo parece ter, nem que seja a de amar unicamente a própria vida. E difícil porque, para manter tal relacionamento, seria necessário que nós nos despíssemos aos poucos das mediações culturais e intelectuais que fazemos a todo o momento. Seria preciso respirar por um momento fora da cultura, ignorá-la. Esquecer da bíblia, dos evangelistas, dos poetas, dos hereges, dos amores, e deixar que somente a voz de Deus se sobressaia. A voz de Deus, obviamente, não é compreensível ao nível da linguagem, mas somente ao nível do corpo em ato, da prática, do fazer. Não é apropriado dizer “voz de Deus”, mas talvez seja mais como um comando, um impulso exercido sobre nós, por livre e espontânea vontade nossa. A permissividade do servo ao seu senhor. Assim como a permissividade do senhor em se revelar íntimo ao seu servo.

Vale dizer que não vejo este relacionamento com Deus como uma colocação mística, um transe espiritual. Espiritual sim, mas nem sempre um transe. O relacionamento com Deus é aquilo que nos coloca em experimentação direta com nosso próprio cotidiano; não pela ótica dos comportamentos determinados pela cultura e convenções sociais, mas sim pela ótica dos comportamentos autênticos, criativos e possibilitados pelo amor. Relacionar-se com Deus é relacionar-se com o mundo, com o outro e consigo próprio.

Espero não ter pronunciado nenhuma blasfêmia.

Saliento mais uma vez que isso tudo é apenas uma especulação. Como não sou nada espiritual, fico exercitando meu intelecto na tentativa de aprisionar Deus em algumas folhas de papel. Apesar de que nunca funciona.

Eu passarei. Eles passarão. Deus passarinha.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Matem os comentaristas

de Søren Kierkegaard, tradução por Walter Cruz


A massa atual de intérpretes da Bíblia tem prejudicado, mais do que ajudado, o nosso entendimento dela. Na leitura dos acadêmicos, tornou-se necessário agir como se faz em uma peça de teatro, onde a profusão de espectadores e luzes impede, por assim dizer, nosso prazer da peça em si e, no lugar disso, somos tratados como pequenos incômodos. Para ver a peça, temos de ignorar essas coisas, se for possível, ou entrar por um caminho que ainda não tenha sido bloqueado. O comentarista [da Bíblia] se tornou um intrometido dos mais perigosos.

Se você quer entender a Bíblia, certifique-se de lê-la sem um comentário. Pense em um casal apaixonado. Ela escreve uma carta para o seu amado. Ele estaria preocupado com o que os outros pensam dessa carta? Ele não a leria toda sozinho? Colocando em outra forma, nem passaria pela sua cabeça ler essa carta com um comentário! Se a carta de sua amada estivesse em uma linguagem que ele não compreendesse, então ele aprenderia essa linguagem, mas certamente não leria a carta com o auxílio de comentários. Eles seriam inúteis. O seu amor por sua amada e a sua disposição de cumprir seus desejos o tornariam mais capaz de entender sua carta. O mesmo se dá com a Escritura. Com a ajuda de Deus, podemos entender a Bíblia toda corretamente. Cada comentário retira algo, e aquele que se senta com dez comentários para ler as Escrituras estará provavelmente escrevendo o décimo-primeiro, mas certamente não estará lidando com as Escrituras.

Suponha agora que essa carta apaixonada tenha um atributo único: cada ser humano é alvo desse amor. E agora? Deveremos nos sentar e discutir o significado uns com os outros? Não, cada um de nós deveria ler essa carta individuamente, como se fora o único indivíduo que tivesse recebido essa carta de Deus. Na leitura, estaremos preocupados principalmente conosco e em nosso relacionamento com Ele. Não nos focaremos em detalhes como 'essa passagem pode ser interpretada dessa forma' e 'aquela passagem pode ser interpretada dessa outra forma', não! O importante para nós será agirmos o mais rápido possível.

Será que o amado não pode nos dar algo que nenhum comentarista pode? Pense nisso! Nós não somos os melhores intérpretes de nossas próprias palavras? Depois disso, [o melhor intérprete] é aquele que nos ama. E em relação a Deus, não seria o verdadeiro crente o Seu melhor intérprete? Não nos esqueçamos: as Escrituras são as placas de sinalização, Cristo é o caminho. Matem os comentaristas!

É claro, não são apenas os comentaristas que estão errados. Deus quer forçar cada um de nós a voltar ao essencial, para um início infantil. Porém não queremos estar nus dessa forma perante Deus. Todos preferimos os comentaristas. Assim, cada geração que passa fica ainda mais fraca.

O que realmente precisamos então é de uma reforma que coloque a própria Bíblia de lado. Sim, isso tem tanta validade agora quanto Lutero rompendo com o Papa. A ênfase atual em voltar à Bíblia tem, tristemente, criado religiosidade do aprendizado e dos sofismas literais – um desvio total. Esse conhecimento tem sido repassado de forma trágica para as massas de modo que ninguém mais pode tão-somente ler a Bíblia. Todo nosso aprendizado bíblico tornou-se uma fortaleza de desculpas e escapes. Quando se trata da vida, da obediência, sempre tem alguma coisa com a qual precisamos lidar primeiro. Vivemos sob a ilusão de ser necessária a interpretação correta ou termos uma crença perfeita, antes como pré-requisitos para começar a viver – isto é, usamos isso como desculpa para não fazer o que a Palavra diz.

Há muito tempo, a igreja tem precisado de um profeta que, em temor e tremor, tenha a coragem de proibir o povo de ler a Bíblia. Sou tentado, portanto, a fazer a seguinte proposta: recolhamos todas as Bíblias e as levemos a um lugar aberto ou a uma montanha e, então, enquando todos nós nos ajoelhamos, alguém fale com Deus desta forma: "Leve de volta esse livro. Nós, cristãos, não estamos aptos a nos envolver com tal coisa; ela somente nos torna orgulhosos e infelizes. Não estamos prontos para ela". Em outras palavras, eu sugiro que, como aqueles habitantes cujos porcos foram precipitados na água e morreram, imploremos a Cristo para "que deixe nossa vizinhança" (Mt. 8:34). Isso ao menos seria uma declaração honesta – algo muito diferente do erudicionismo nauseante e hipócrita que é tão comum hoje.

A questão toda é muito simples. A Bíblia é muito fácil de entender. Mas nós, cristãos, somos um bando de vigaristas cheios de intrigas. Fingimos que somos incapazes de entender porque sabemos que, no mesmo instante em que entendermos, seremos obrigados a agir de acordo. Pegue quaisquer palavras do Novo Testamento e esqueça tudo, exceto comprometer-se a agir de acordo. Você dirá: "Meu Deus, se eu fizer isso, minha vida inteira será arruinada. Como eu poderia ser bem sucedido no mundo?"

Aqui reside o verdadeiro lugar da erudição cristã: a erudição cristã é a prodigiosa invenção da igreja para se defender da Bíblia, para garantir que possamos continuar a ser bons cristãos sem nos aproximarmos demais da Bíblia. Oh, erudição preciosa, o que faríamos sem você? Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo. Sim, é mesmo horrível ficar a sós com o Novo Testamento.

Abro o Novo Testamento e leio: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e segue-me". Bom Deus, se nós realmente fizéssemos isso, todos os capitalistas, os legisladores e os empresários, de fato, toda a sociedade, seria composta de mendigos! Estaríamos afundados, não fosse a erudição cristã! Louvados sejam todos que trabalham para consolidar a reputação da erudição cristã, que ajudam a reprimir o Novo Testamento, esse livro confuso que nos desmontaria se fosse realmente livre (isto é, se a erudição cristã não o reprimisse).

A Bíblia ordena com autoridade em vão. Ela admoesta e implora em vão. Nós não a ouvimos – ou seja, nós ouvimos sua voz por intermédio da interfência da erudição cristã, os experts que foram apropriadamente treinados. Assim como um estrangeiro que protesta seus direitos em um idioma desconhecido não se importa em dizer palavras ousadas face a autoridades – mas, veja, o intérprete que traduz o que ele fala para as autoridades não se atreve a fazê-lo, mas substitui essas palavras por outras mais amenas – assim é a Bíblia lida pela ótica das interpretações cristãs.

Declaramos que a erudição cristã existe especificamente para nos ajudar a entender o Novo Testamento, de forma que possamos compreendê-lo melhor. Nenhum homem insano ou prisioneiro de Estado foi tão confinado quanto o Novo Testamento. Embora todos fiquem preocupados, ninguém nega que eles estão enclausurados, mas as preocupações em relação ao Novo Testamento são ainda maiores. Nós o enclausuramos, mas alegamos estar fazendo o oposto: que estamos muito ocupados ajudando o Novo Testamento a ter mais clareza e direção. Mas, é claro, nenhum maluco ou prisioneiro de Estado seria tão perigoso para nós como o Novo Testamento, se ele fosse livre.

É verdade que nós, protestantes, fizemos um grande esforço para que cada pessoa pudesse ter a Bíblia – mesmo na sua própria língua. Ah, mas que esforços nós tomamos para insistir junto a todos que ela pode ser entendida apenas por intermédio dos acadêmicos cristãos! Essa é a nossa situação atual. O que tenho tentado mostrar aqui é facilmente declarado: eu queria fazer as pessoas conscientes e admitir que acho o Novo Testamento muito fácil de compreender, mas, até agora, tenho achado tremendamente difícil agir de maneira literal sobre o que ele diz de forma tão clara. Eu talvez pudesse tomar uma outra direção e inventar um novo tipo de acadêmicos, trazendo à tona ainda mais um comentário, mas estou muito mais satisfeito com aquilo que eu tenho feito - fiz uma confissão sobre mim mesmo.

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domingo, 9 de maio de 2010

A Criaçomm

segunda-feira, 3 de maio de 2010

formspring.me

Perguntaí http://formspring.me/amaurialves