O fato de um sujeito como eu assumir que possui o hábito de assistir Big Brother Brasil 10 é constrangedor, mas terei que fazê-lo para dar início a este texto. Admito que BBB 10 seja fútil, medíocre, entretenimento barato, apelação gritante. E é por isso que eu gosto tanto de assisti-lo. Nem tanto por aquelas bundas maravilhosas de fio dental, mas sim porque me divirto de forma sensacional vendo um grupo de pessoas mostrando aquilo que de mais perverso (e ao mesmo tempo mais típico) pode existir no ser humano: o egoísmo.
E é por isso que afirmo, neste texto e para fins didáticos, que as igrejas são reality shows como o BBB. Igrejas talvez sejam o antro mais antigo do egoísmo que perdura na superfície da Terra. Onde houver religião, haverá seres humanos egoístas. A religião está diretamente vinculada ao princípio da punição e recompensa (mesmo que na além vida), e é por isso que se vincula ao egoísmo: no fundo, o que todos querem é salvar a própria pele. É evidente que Jesus propõe uma lógica radicalmente distinta (a graça como favor imerecido dado por Deus, ao mesmo tempo que institui a exigente lei do amor), mas não vamos entrar em detalhes.
Quando vejo um programa como o BBB, é óbvio que não estou vendo pessoas, mas personagens. Personagens calcados em pessoas, mas editados, cortados, manipulados, transformados em imagem, subvertidos, expandidos, recalcados e maquiados. Mas nem por isso a existência dentro da casa deixa de ser real e torna-se uma atuação. Não existe atuação no sentido de predeterminação de um roteiro. As coisas simplesmente vão acontecendo, de acordo com os caminhos trilhados pelos personagens reais. E é neste ponto que o egoísmo entra em cena: o BBB pressupõe um vencedor, dado seu caráter de jogo. Todos ali buscam uma recompensa, mas ao mesmo tempo precisam forçosamente esquecer que fazem parte de um jogo. Ou melhor, aparentar este esquecimento e assumir um “jogar com o coração”, já que a permanência dos mesmos no jogo só existe na medida em que são aceitos pelo público. Ou seja, na medida em que seus personagens tornam-se convincentes, e são recompensados pelo público com mais uma semana de permanência naquela boa vida.
As igrejas seguem uma lógica aproximada. Os personagens estão ali, e assim como os do BBB, estes também constroem sua cena, sua narrativa, partindo da imprevisibilidade das situações reais. Cada jogador, também chamado de irmão (à semelhança de brother), busca sua(s) recompensa(s): desde a vida eterna até desejos mesquinhos como o reconhecimento passageiro. No BBB a lógica do jogo requer que os irmãos sejam eliminados um a um. Na igreja a lógica do jogo pressupõe que novos brotheres sejam convertidos, gerando prestígio para a casa que mais frutifica. No BBB, os personagens disputam sua recompensa tendo que simular a ausência desta disputa: não podem deixar seu egoísmo transparecer, sob o risco da punição dos olhares vigilantes uns dos outros, e também dos olhares do público. Na igreja, os personagens buscam cada qual sua própria recompensa, tendo que simular igualmente a ausência desta disputa, e ainda cometer hipocrisia maior: fingir que estão destituídos de qualquer egoísmo e que estão movidos pelo amor a Deus e ao próximo. E não deixam transparecer seu egoísmo com ainda maior afinco: é preciso que seus personagens, além de serem convincentes uns aos outros, convençam igualmente a si próprios, já que o reconhecimento do próprio egoísmo poderia colocar tudo a perder.
Nisto, os brotheres só não convencem a Deus, que tudo vê, mesmo aquilo que está em secreto. Resta saber se Deus está ainda disposto a recompensá-los no decorrer ou ao final do programa (já que seu favor é imerecido), mesmo sabendo que a exigente lei do amor foi substituída pela onipresente lei do egoísmo.
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Eis que me ocorre que, apesar de me sentir liberto da vigilância da igreja, olho para minha própria existência e comprovo, com pesar, que no fundo nunca deixei de ser apenas um personagem. O reality show expandiu seus limites: das paredes do templo para as fronteiras da vida. Sela lá onde estiver, percebo que continuarei simulando um personagem, buscando minha(s) recompensa(s), convicto das minhas próprias boas intenções, ocultando todo e qualquer resquício do meu egoísmo.
Descubro, talvez tarde demais para um recomeço, que não eram as câmeras que moldavam meu egoísmo, mas sim meu egoísmo que instalava câmeras para que o tempo todo eu mesmo (ou meu personagem) estivesse sob os holofotes.
Percebo, talvez até com maior atraso, que ser cristão é de fato uma opção bastante inglória: ao invés de amarmos uns aos outros até o ponto de oferecermos nossa própria vida pelo próximo, o máximo que nosso egoísmo permite é que ofereçamos – num movimento contínuo – a morte de Cristo pela vida daqueles que nós deveríamos amar. E Cristo, como ovelha muda, continua morrendo dia após dia.