quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Quem fala através da igreja evangélica?

Me perguntei, e ainda me pergunto, se posso chamar a pluralidade de denominações, culturas, doutrinas que encontramos no Brasil de algo como “igreja evangélica”, que representaria um todo. Não, essa unidade não existe, está claro. Mas digamos que com “igreja evangélica” eu queira me referir a um sistema, uma grande produção e manutenção de discursos acerca da(s) igreja(s) evangélica(s). Estes discursos dizem respeito à verdade – no sentido de Foucault – que orienta, reprime, molda, ajusta os comportamentos e doutrinas evangélicas. Não há unidade e nem coincidência de pensamentos, é óbvio, há o embate, a exclusão, o choque de pensamentos diferentes, e é justamente isso que constitui este grande discurso, de um possível grande sistema da “igreja evangélica”.




Quem é que produz esta verdade? Quem fala através da igreja evangélica?


Estas questões talvez sejam insolúveis mesmo. Mas tudo fica mais fácil se começarmos a pensar não “quem”, mas “como” essa verdade é produzida e mantida, e o “por quê”.


A “verdade” existe para controlar, é ideológica. Serve para a manutenção de um poder. Na verdade de vários poderes, em maior ou menor grau. Poder que é exercido por todos, ou pelo menos por muitos. Exerce esse poder, proporcionado pelo estabelecimento da “verdade”, tanto o pastor, o reverendo, o sacerdote, quanto o leigo que apenas ouve e assimila estes discursos: ao reproduzi-los o leigo torna-se também portador de uma verdade espiritual, portanto diferenciado dos demais seres humanos não-espirituais.


A verdade estabelecida pelo sistema “igreja evangélica” serve para legitimar a hierarquia simbólica entre pessoas: uns mais espirituais, em maior comunhão divina, mais santidade do que outros. Essa verdade é mantida através de comportamentos: as roupas e o isolamento dos crentes (há algumas décadas), a indústria cultural gospel (hoje em dia). A diferenciação é necessária, e ela precisa ser explicitada através do comportamento, para que a verdade possa ser efetivamente bem sucedida na manutenção dos poderes espirituais conferidos diretamente por Deus aos líderes espirituais da humanidade.


Além de masturbar os egos (daqueles que se deixam iludir por um cristianismo das aparências sociais), a verdade também possui um viés econômico-político. Ela é útil porque faz a máquina funcionar, e por isso ela também é mantida. Além disso, é flexível e mutável, porque necessita sempre se ajustar ao sistema capitalista tardio que vivemos. Sem um retorno econômico-político, a verdade deixa de ser interessante, e é substituída por outra mais rentável. É por isso que as doutrinas da igreja – à semelhança de Cristo – nascem, crescem, morrem e são ressuscitadas, assentadas à direita de Deus Pai, para serem novamente descartadas e substituídas. Quem se beneficia da manutenção da verdade pela “igreja evangélica”? Muitos, e não somente líderes religiosos, mas também pessoas que nem sequer possuem vínculo com a igreja (mas possuem vínculo com quem lidera a igreja). Não são poucos os políticos não-evangélicos que são apoiados pela igreja evangélica, por associação ou afinidade com as lideranças religiosas. Claro, tudo feito em nome de Jesus e para a glória do Senhor.


A verdade gera mercado, gera cantores que cantam a verdade, músicos que tocam a verdade, poetas que declamam a verdade, apresentadores de tv que apresentam a verdade, grifes de roupa que vestem a verdade e por aí vai. A verdade é produzida e circula, nas rádios, nas televisões, nos púlpitos, nas estampas de camisetas, nos blogs, no comportamento das pessoas. Ela circula para se manter, sobrevive enquanto puder circular, e se modifica para não se tornar obsoleta.


O mais importante, e talvez mais controverso, ponto de referência da produção desse discurso – do sistema “igreja evangélica” – é a Bíblia, até mais do que o próprio Jesus Cristo. Mais do que a própria Palavra Viva, do que o próprio Verbo, porque a Bíblia é um registro, um documento, é estática, estanque, palavra que mata, espírito que vivifica. Ela pode ser torcida, tingida ideologicamente, manipulada, tudo com o respaldo divino, já que está tudo impresso, tinta no papel, palavras que o vento não leva. Ela é a base padrão, à qual sempre se recorre quando se quer produzir e manter um discurso oficial, verdadeiro, da igreja.


Quem produz essa verdade? Como a produz? Por que a produz? Como a mantém?


Perguntas complexas e respostas inatingíveis.


Mas existe outra verdade, aquela que é também o caminho e a vida; a verdade que verdadeiramente liberta; que não pode ser ensinada, mas deve ser vivida; verdade que não constitui poder e autoridade, senão a autoridade de tomar sua cruz e o poder de renunciar a própria vida; verdade que não serve para dominar, mas para romper grilhões. Essa verdade é Jesus Cristo, e creio que não é ele quem fala através da igreja evangélica.

Um comentário:

Kadu disse...

Muito interessantes!! Parabéns!
Costumo pensar que a "verdade" desses sistema mata aqueles a quem ela deveria supostamente trazer vida pra fazer viver ela mesma! Olha só quantas dessas instituições já tem anos, décadas, séculos de vida e "boas" histórias pra contar, mas quantas pessoas já "morreram" nesse meio tempo...
Mas Deus continua guiando a Igreja dEle em meio a tudo isso..., com a verdadeira verdade..., ainda bem!!

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